ÉTICA NOS NEGÓCIOS: É possível acabar com a corrupção?

Marco Morsch

Com os recentes escândalos corporativos e desastres ambientais, muitas empresas estão intensificando seus programas de ética e compliance, governança corporativa e responsabilidade socioambiental. Será mesmo o fim da corrupção?


Os recentes escândalos corporativos e desastres ocorridos no Brasil, como a Operação Lava-jato, Mensalão, Banco BTG Pactual e a tragédia de Mariana (MG) retomam o debate sobre a questão da ética nas organizações. Paradoxalmente, algumas empresas envolvidas, como a Petrobrás e a Vale, eram comumente referenciadas por suas práticas éticas, de governança corporativa e de responsabilidade socioambiental.

Para evitar práticas antiéticas foi criada a Lei Anticorrupção (lei 12.846/2013), que exige do setor privado uma postura ética em relação a seu relacionamento com o setor público. Ela ampara a administração contra práticas fraudulentas e ilegais, além de coibir atos de corrupção e qualquer conduta prejudicial para a administração pública. Em função da lei, as empresas tiveram seis meses para adotar mudanças organizacionais, tais como o desenvolvimento de programa de obediência às leis (compliance) e treinamento para seus funcionários.

Todos sabemos que a infusão da ética, governança corporativa e responsabilidade social nos negócios é uma tarefa desafiante, pois geralmente envolve uma grande mudança de direção, de cultura e de valores organizacionais. Embora os desafios específicos possam ser diferentes para cada organização, o processo de desenvolvimento da ética nas empresas envolve três elementos genéricos: a visão holística e integrada dos diversos tópicos que são abrangidos, a perspectiva simultânea de curto e longo prazo e a noção de envolvimento dos stakeholders. Ou seja, a consolidação da ética e compliance (conformidade) nas organizações é um processo sistêmico, educativo e complexo.

Para assegurar a prática de comportamentos éticos por parte dos colaboradores, a empresa precisará de um programa eficaz para o cumprimento de seus princípios morais e regras de conduta que criem um clima ético positivo. O grau de maturidade na gestão da responsabilidade social determinará o tamanho do esforço para a mudança. Por isso, inicialmente, é recomendável que a empresa faça um diagnóstico de seu clima ético, isto é, em que patamar ético se encontra a organização.

O que é um Programa Ético

O clima moral da organização é um fenômeno complexo no qual incluem de maneira considerável os atos, as políticas, as decisões e a exemplaridade da administração. O clima ético, capaz de fortalecer e impulsionar uma empresa, normalmente é composto pelos seguintes fatores:
Liderança da alta direção: “um exemplo vale mais do que mil palavras” diz o ditado. Líderes éticos inspiram condutas morais e responsáveis;
Códigos de conduta e compliance: Guias de conduta definem claramente o que é certo e errado no âmbito da organização e define padrões de relacionamento com os stakeholders e para a tomada de decisão;
Programas de ética, educação e treinamento: Por meio de cursos, workshops e palestras, a organização alinha e capacita seus gestores e colaboradores a comportamentos éticos e atitudes morais;
Processos para tomada de decisão ética: os processos devem ser transparentes, assim como o trâmite decisório sobre questões estratégicas, táticas e operacionais. Muitas empresas adotam auditorias permanentes e comissões internas para decidir compras estratégicas;
Comunicação interna eficaz: a comunicação entre os colaboradores é essencial para o sucesso de um programa de ética. Por exemplo, uma coluna semanal ou mensal no newsletter interno da empresa pode ser muito eficaz.
Imposição de sanções disciplinares: Um sistema de gestão da ética deve incluir sanções e penalidades administrativas aplicáveis aos indivíduos que não estejam em conformidade com a conduta ética.
Comitê de Ética e gestão do clima ética: Muitas empresas adotam a criação de Comitês de Ética, responsáveis pelas análises e decisões em caso de conflitos ou dilemas éticos. Também é comum a criação de uma gerência responsável pela gestão da ética na organização;
Mecanismos para denúncias: canais específicos para denunciar a existência de práticas antiéticas, ilegais ou corruptas dentro da organização. Muitas empresas adotam uma hot-line sigilosa para receber denúncias;

A implementação de um programa eficaz de ética nos negócios inclui as seguintes etapas:

a) Declaração de princípios e valores organizacionais;

b) Elaboração de código de ética e padrões de cumprimento;

c) Implantação de sistemas de monitoração, auditoria e cumprimento dos padrões éticos;

d) implantação de estrutura de gestão da ética

e) Melhoria Contínua Aprendizado

Sendo a ética um componente da cultura organizacional, os comportamentos e metas desejados pelo negócio devem ser definidos de maneira clara e abrangente. A explicitação dos princípios e valores organizacionais é essencial para direcionar o comportamento ético esperado e as diretrizes de conduta organizacional. Igualmente, normas, convicções e costumes devem estar alinhados com os sistemas de avaliação de desempenho, recompensas e punições. O credo da empresa deve ser praticado por todos e a cultura organizacional deve conter mecanismos para essa prática. Programas de voluntariado empresarial, por exemplo, podem desenvolver valores como respeito, integridade, paixão por servir e outros valores éticos.

O Código de Ética, ou Guia de Conduta, é uma ferramenta poderosa para fomentar a conduta ética nos negócios. Como desdobramento natural da declaração de princípios e valores compartilhados da empresa, o código de ética é o conjunto de diretrizes, regras e linhas gerais que incentiva e orienta a conduta dentro de uma organização, funcionando como balizador para os gerentes em suas tomadas de decisões éticas, sociais e ambientais. Ele é um instrumento voluntário, elaborado em documento formal, que incorpora os valores morais da empresa, podendo variar em conteúdo, forma e mecanismos de cumprimento.

Como ferramenta gerencial, os códigos de ética abrangem quatro dimensões:

(1) Foco: se ele focaliza o processo ou desempenho, ou ambos. Códigos orientados para o desempenho definem padrões mínimos do que é considerado comportamento ético e socioambientalmente responsável (exemplo: eliminação do trabalho infantil). Códigos orientados para o processo definem procedimentos que a organização deve seguir (exemplo: modo de abordagem de reclamações);

(2) Desenvolvimento: o modo como é elaborado. Os códigos podem ser desenvolvidos de modo unilateral (pelos proprietários e direção da empresa), bilateral (como acordo entre empresa e sindicato) ou com consulta a múltiplos stakeholders (exemplo: Princípios do Equador). Embora a palavra definitiva seja da empresa, o código deve ser desenvolvido a partir de diálogo e consulta com stakeholders, conforme o princípio da legitimidade;

(3) Escopo: a abrangência de tópicos regulados. O código pode incluir um amplo leque de questões, como condições de trabalho, combate à corrupção, meio-ambiente, relações com o consumidor e direitos humanos;

(4) Stakeholders: quais partes interessadas ele abrange e focaliza. Códigos de ética são endereçados a diferentes stakeholders, podendo incluir colaboradores, clientes, fornecedores, governo e sociedade, entre outros.

Um bom código de ética deve incluir duas abordagens: valores e compliance. A abordagem de valores é proativa e aspiracional, enfatizando comportamentos desejados e esforços para atingir elevados padrões de acordo com o espírito da lei e dos valores organizacionais. Na abordagem decompliance, o foco é a conformidade com normas e regulamentos. Sua ênfase é mais no comportamento requerido, em obediência à letra da lei ao invés da aspiração em elevados princípios éticos.

Em um estudo com inúmeras empresas que possuem códigos de ética, foram identificadas diversas similaridades de princípios, padrões e conteúdo. As descobertas foram estruturadas em oito princípios abrangentes que servem para orientar a implantação de guias de conduta:
Princípio da fiduciariedade: Refere-se a aspectos de um código que definem as responsabilidades de diretores e gerentes da empresa e seus investidores. Envolve conceitos-chave como diligência, lealdade e franqueza (exemplos de padrão: manter a saúde econômica da empresa; revelar potenciais conflitos entre interesse empresariais e pessoais);
Princípio da propriedade: Diz respeito a direitos e ativos de propriedade da empresa e seus concorrentes. Proteção e refreamento de roubo (exemplo: proteger os ativos da empresa, como informação, recursos e equipamentos);
Princípio da confiança: Refere-se a honrar compromissos. Cumprir promessas, acordos e contratos (exemplo: pagar fornecedores no prazo e em conformidade com os termos acordados);
Princípio da transparência. Trata da condução do negócio de modo aberto e verdadeiro. Verdade, decepção, abertura, sinceridade e objetividade (exemplos: ser honesto e respeitar a verdade em todas as atividades; evitar propaganda enganosa);
Princípio da dignidade: Refere-se ao respeito pela dignidade das pessoas, incluindo saúde e segurança, direitos humanos, privacidade e confidencialidade, liberdade de associação, abstenção de uso da força, educação e desenvolvimento humano (exemplos: abster-se de usar direta ou indiretamente uso de trabalho infantil; respeitar a privacidade de consumidores);
Princípio da justiça: Envolve aspectos relacionados à concorrência livre e justa; justiça e equidade nos relacionamentos (exemplo: não discriminar trabalhadores);
Princípio da cidadania: Trata de aspectos que requerem que a empresa aja como cidadã responsável na comunidade, incluindo conformidade e respeito às leis, zelo ambiental e não envolvimento impróprio com o governo (exemplo: obedecer a leis e regulamentos aplicáveis);
Princípio da responsividade: Trata de aspectos que exigem respostas rápidas da empresa a partes com queixas e preocupações legítimas sobre as atividades do negócio. Abordagem de reclamações e envolvimento público (exemplos: responder sugestões e reclamações de colaboradores; colaborar com ONGs no desenvolvimento econômico e social da comunidade).

A ética dá lucro?

Os benefícios de programas de ética para os negócios já foram identificados por vários estudos científicos. Entre eles incluem-se os seguintes: (a) aumento da consciência interna sobre Responsabilidade Social; (b) auxilia no estabelecimento de metas e objetivos organizacionais; (c) diminui riscos; (d) estimula o diálogo e parcerias entre as partes interessadas; (e) melhora a unidade interna e a identidade organizacional; (f ) atrai, engaja e retém talentos; (g) melhora a imagem e reputação da empresa; (h) atrai consumidores; e (i ) promove retornos financeiros superiores;

Apenas para ilustrar o elevado retorno financeiro de empresas éticas, o ISE - Índice de Sustentabilidade Empresarial da BOVESPA/SP, teve um desempenho de dezembro de 2005 a dezembro de 2015, de 111,80%, enquanto as ações da BOVESPA tiveram um retorno de apenas 35,82%.

Para nortear eficazmente as decisões, o código de ética deve abranger o máximo possível de situações nas quais a empresa e seus colaboradores precisem ter uma posição clara e específica de como se comportar diante de determinado relacionamento e decisão. Embora tenha caráter normativo, deve-se ter cuidado, todavia, para não transformar o código de ética em um manual extenso e cansativo de procedimentos. Por isso, muitas empresas adotam a expressão guia de conduta, projetando um caráter mais orientador e educativo, sem esgotar detalhadamente todas as situações possíveis.


Uma vez aprovado pela alta direção, o Código de Ética deve ser distribuído a todos os colaboradores, com ajuda na interpretação e compreensão de sua aplicação e propósito (por meio de treinamentos ou manuais), explicação dos sistemas e estrutura do programa, com detalhamento de como cada colaborador deve proceder em casos de queixa ou dúvidas, bem como definição dos papéis e responsabilidades de cada nível envolvido.


*Marco Aurélio Morsch é professor, mestre em administração de empresas, consultor e palestrante. Formado em Direito pela UFRGS e Master em Tecnologia Educacional pela FAAP, é coautor dos livros “Comportamento do Consumidor: Conceitos e Casos” (Pearson, 2005) e “Marketing Estratégico” (DVS Editora, 2004). Atualmente é professor nos Cursos de Administração da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atuou como executivo e gestor em diversas empresas tais como Caixa, NET Serviços e Campos Advocacia Empresarial. Foi professor da FAAP por 19 anos, onde coordenou o Curso de Pós Graduação em Marketing. Com mais de 20 anos de experiência em treinamento e desenvolvimento de executivos, em 2006 fundou a Morsch Consultoria, empresa de treinamento, palestras e educação executiva.
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