Gaudêncio Torquato
O Brasil precisa resgatar as lições de Montesquieu. Ele ensinava que os homens são administrados por um conjunto de coisas, como o clima, a religião, as leis, as máximas, os estilos dos governantes, os exemplos dos fatos passados, os costumes, as maneiras
Daí resulta um espírito geral, que, em cada Nação, ganha um tom dominante. A natureza e o clima, por exemplo, determinam o modo de vida dos povos selvagens; as lições filosóficas e os costumes balizavam o governo na Roma Antiga; enquanto o maneirismo está na alma dos orientais. A preocupação central do autor de O Espírito das Leis era, porém, com a degradação do espírito geral das Nações, com a vitória dos vícios sobre as virtudes. Pois bem, essa parece ser a radiografia do país nesse momento em que o governo provisório de Michel Temer se inicia.
A aparência geral é a de um gigantesco transatlântico navegando sem bússola. Programas apresentados como panacéia estão em escombros, como o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento. A economia vive um estado de descalabro com a tal de Nova Matriz Econômica, implantada por Guido Mantega; a partidarização do Estado, com a ocupação da estrutura administrativa por batalhões de militantes, revela a intenção do lulo-dilmismo/petismo de estruturar um projeto perene de poder. A par do descalabro geral, a desordem estende seus violentos braços por todo o território, na forma de bloqueios de estradas e ruas por hordas de militantes radicais. Chegamos ao estágio terminal no campo da ética e da moral. De onde se pinça a indagação: que elemento central explicar o avançado grau de deterioração da governabilidade que tomou conta do país? Como a gestão pública atingiu níveis tão baixos?
Ante essa paisagem devastada, há muito sentido no resgate do lema – Ordem e Progresso – que o presidente Michel Temer quer resgatar. O convite ao trabalho, à disciplina e a obediência à norma cai muito bem na moldura de desorganização da vida produtiva do país. Mas os desafios que o novo governo terá pela frente são incalculáveis. A palavra-chave, anunciada no discurso de Temer, é confiança.
Para tanto, a comunidade política já sentiu a diferença entre dois estilos: em vez do discurso rude e agressivo do governo anterior, a cargo da presidente Dilma Rousseff e de seu partido, ouve-se, agora, uma palavra mais serena, cordial e respeitosa, como é conhecida a expressão do novo Chefe do Governo. Sem prometer mágicas, sem arroubos populistas, Temer deixa um claro sinal de que pretende pacificar o País – tenso e conflituoso- e restaurar a confiança, alavanca que tem condições de reabris as portas do crescimento econômico.
O tempo será curto para derrubar as barreiras que entravam a economia e fazer voltar a credibilidade do país no concerto das Nações. Geralmente, a sociedade confere 100 dias de lua de mel a um novo governo; deste, os sinais positivos terão que aparecer em cerca de 30 a 40 dias. É evidente que não se cobrarão resultados de impacto, mas sinais de que as coisas tendem a melhorar. Depois de quase 14 anos de desmandos e de escolhas equivocadas em nome de visão populista da administração pública, a sociedade brasileira se impregna de expectativas.
O descontentamento de milhões de brasileiros se fez presente nas maiores manifestações já vistas pelo País. Pessoas de todas as classes, insatisfeitas com os rumos do desemprego e com a carestia castigando a todos, especialmente os mais pobres, sonham com a estabilidade perdida. Os milhões de brasileiros que ascenderam à classe C, provenientes da base da pirâmide, querem reaver seus ganhos. Daí a ansiedade por mudanças. Para reverter o estado de desorganização em que o País foi submetido, Michel Temer acena com medidas urgentes e efetivas para reativar a economia, mesmo sabendo que algumas requerem sacrifícios. Não se faz omelete sem quebrar os ovos.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é um celebrado profissional do mercado. Sabe lidar com finanças. Por si só, traz uma taxa de seriedade. Os setores produtivos confiam nas medidas que estará tomando nos próximos tempos, a partir do esforço para tampar o rombo da Previdência Social. Já se sabe, por exemplo, que o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e outros agentes econômicos devem ser bancos e não meros distribuidores de benesses políticas ou agências de acomodação partidária. O uso inadequado das instituições tem levado à situação lamentável em que se encontram. O anúncio já foi feito. O Estado terá que cortar suas gorduras, a começar por um corte de 4 mil comissionados que locupletam os corredores da máquina pública federal. O Estado deverá passar para a iniciativa privada tarefas que não lhe compete, restringindo suas ações ao escopo definido pela Constituição, principalmente nas áreas da Saúde, Educação, Habitação e Segurança Pública.
Não existe coelho na cartola a ser puxado. Haverá sacrifício pela frente. A tarefa será árdua. Imagine-se a complexidade da equação que se apresenta: conter um déficit público estimado em princípio de R$ 96 bilhões – e deve ser bem maior, tendo em vista a existência de esqueletos escondidos. Há pressa. Mas com os pés no chão e o convite ao trabalho, será possível divisar horizontes menos cinzentos.
Por último, é oportuno lembrar que o perfil de Michel Temer condiz com o figurino que o País exige nessa nova era: pessoa cordata, bem preparada, experiente, exímio articulador político e o artesão na costura dos contrários – uma espécie de algodão entre cristais. Três vezes presidente do Congresso Nacional, saberá como conduzir as articulações com o Congresso Nacional. Não se ouvirá dele grosseria.
O professor de Direito Constitucional, paulista de Tietê, terá pouco tempo para dizer a que veio. Mas o animus animandi da sociedade poderá ser a alavanca a impulsionar os motores da vida produtiva.
Gaudêncio Torquato - Jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação.
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