Opinião: O complexo xadrez geopolítico do Médio Oriente

  

João Alfredo Lopes Nyegray*

O ataque do Hamas a Israel, ocorrido em 7 de outubro do ano passado, reacendeu antagonismos históricos que estavam latentes há algum tempo. Na ocasião dos ataques, o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, prometeu que as Forças de Defesa de Israel (FDI) usariam imediatamente toda a sua capacidade para destruir o Hamas. Hoje, cerca de três meses depois, contam-se corpos em ambos os lados do conflito, especialmente entre os palestinos da Faixa de Gaza. A vida destes é marcada por um permanente receio, tanto do próprio Hamas quanto dos ataques israelenses.

Mais de três meses depois do início desse novo capítulo de um velho conflito, percebe-se que ele está bastante longe do fim. As FDI, que conseguiram eliminar alvos importantes não só do Hamas como do Hezbollah, no Líbano, não apenas não apontam um fim próximo para as hostilidades, como cogitam que essa guerra pode se estender por todo o ano de 2024. Até aqui, não existem grandes surpresas: guerras não possuem prazo definido, muito menos quando a luta é contra um grupo armado – e não contra um Estado. A questão é que, agora, há novos e fundados receios para a expansão dessa guerra por todo o Oriente Médio. 

Ainda que Teerã não confirme, os líderes do Hamas apontaram diversas vezes que seu ataque foi planejado com a ajuda e apoio iraniano. Mais do que isso, após os ataques do Hamas a Israel em 7 de outubro, seguiram-se outros ataques no norte israelense, dessa vez perpetrados pelo grupo Hezbollah. Desde então, as IDF vêm lutando não só em Gaza, mas também na fronteira com o Líbano – o terceiro país envolvido nesse confronto. Nesta semana, um ataque israelense matou o comandante da equipe especial do Hezbollah em solo libanês. 

Nesse complexo contexto, que envolve Palestina, Israel, Líbano e Irã, um atentado a bomba deixou 84 mortos na cidade iraniana de Kerman logo no início de janeiro. As explosões ocorreram perto do cemitério onde está enterrado o comandante militar iraniano Qasem Soleimani, morto num ataque feito pelos Estados Unidos em janeiro de 2020. Soleimani era chefe da Força Quds dos Guardas Revolucionários, uma unidade de elite que gerencia as operações do Irã, e segue sendo uma figura celebrada no país.

Após os ataques, Teerã rapidamente culpou Israel, que negou envolvimento. A seguir, uma nova peça nessa equação geopolítica assumiu a autoria do atentado: o grupo terrorista Estado Islâmico (ISIS) – que muitos erroneamente achavam estar eliminado. O grupo informou que dois homens-bomba se infiltraram no meio da multidão que lembrava os quatro anos do falecimento do general – que, no passado, atacou várias vezes o ISIS. 

E o xadrez geopolítico ainda não terminou: há o Iêmen e a milícia Houthi que vem atacando não só cidades israelenses, mas também navios de carga que passam pelo Mar Vermelho. Os Houthi, também conhecidos como Ansar Allah, são uma milícia xiita que controla parte do país, incluindo a capital, Sana'a. Enquanto, de um lado, os Houthi são apoiados pelo Irã, o governo iemenita é apoiado por uma coalizão liderada pela Arábia Saudita. Uma intervenção externa ocorrida anos atrás e liderada por Riad complicou ainda mais a situação, resultando em uma crise humanitária grave.

Todo esse cenário, que envolve múltiplas nações e reacende velhos antagonismos – para não dizer ódios – vem rapidamente aumentando as chances de uma guerra em larga escala no Oriente Médio. Por isso, as autoridades estadunidenses, europeias e de vários outros países vêm aumentando seus esforços diplomáticos para tentar apaziguar a situação, o que não parece estar surtindo efeitos.

Os iranianos vêm aumentando rapidamente seu programa nuclear e, de acordo com agências de inteligência, Teerã possui combustível o suficiente para construir ao menos três bombas atômicas. Embora uma guerra direta contra Israel ou Estados Unidos pareça distante, certamente o Irã pode desequilibrar ainda mais o Médio Oriente, fornecendo armas, apoio tático, inteligência ou mesmo permitindo a expansão de grupos terroristas. 

Atualmente, Teerã fornece drones de uso militar para o esforço de guerra russo na Ucrânia, e, tendo se aproximado tanto da Rússia – um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas – é apenas questão de tempo para que outros equipamentos militares passem a ser fornecidos a Moscou. 

Enquanto, no passado, tanto russos quanto chineses apoiavam as pretensões estadunidenses de limitar o programa nuclear iraniano, atualmente, esse não é mais o caso – muito em virtude do desinteresse do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, em retomar o diálogo com Teerã sobre o programa nuclear. 

Ou seja, há fundados receios geopolíticos vindos do Oriente Médio, que certamente reverberarão por todo ano de 2024.

*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray


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